Digicrônicas

Naquela praça…

Por: Cristina Vergnano

Os dois namorados passaram apressados e de mãos dadas, como faziam todas as manhãs, por aquela pequena pracinha, escondida entre três ruas da Tijuca. Faziam isso para cortar caminho, do ponto do ônibus para o trabalho. Mas algo estava diferente naquela manhã. Mesmo contra o bom senso, que os obrigava a continuar andando para não chegarem atrasados, pararam para dar uma olhadela. “O que tinha mudado?…”

Viram os quatro balanços (dois para crianças pequenas, dois para as maiores); as três gangorras, os dois escorregas, bancos de cimento circulando a praça, margeando sua cerca baixa de proteção… Tudo pintadinho de novo com as cores da bandeira brasileira (embora os brinquedos também tivessem umas partes com tinta laranja ou vermelha). O orelhão, não tão novo e, hoje em dia, pouco utilizado em tempos de smartphones e internet, já tinha sido notado e até usado na semana passada, quando os créditos do celular acabaram. Estava na extremidade mais estreita da pracinha. As árvores com flores que enfeitavam o lugar, as mesinhas com banquetas de concreto, posicionadas sob uma construção rústica de tipo coreto, também estavam iguais… “O que era, então?”

Normalmente havia muitas mães com seus filhos ali brincando. Eles usavam os brinquedos do parquinho ou faziam comidinhas e construções com a areia do chão, pás e baldinhos. Ultimamente, usufruíam, ainda, de brinquedos plásticos (carrinhos, bolas, jogos de montar etc) que, ao que parece, foram doados por alguém para uso coletivo e ficavam por ali espalhados até serem usados. Também havia os adolescentes (grupo de amigos, ou namorados) que ocupavam o “coreto”, principalmente no final da tarde, em reuniões animadas. O casal os observava de relance e sem muita curiosidade ao voltar do trabalho. E, claro, completavam o cenário algumas pessoas de mais idade conversando ao sol.

Só que, naquele dia, tinha alguém diferente: uma senhora rosada e animada. Ela reunia a criançada em volta de si e as chamava para brincar como se fosse uma delas. Aquilo não tinha, em princípio, nada de mais, no entanto, sem uma explicação plausível, chamava atenção, nesse nosso mundo corrido e impessoal.

De mansinho, o casal chegou mais perto, sentou-se num dos bancos para poder ouvir e ficou prestando toda a atenção. A senhora contava que, quando ela era pequena, havia muitas praças como aquela. Nem todas tinham brinquedos, mas isso não importava. Bastava o espaço, porque a imaginação fazia o resto. As ruas tinham menos carros, por isso era comum ver gente brincando na rua mesmo! E, como a segurança era maior, nas férias (porque durante as aulas a ordem era dormir mais cedo) a turma ficava até tarde na farra.

Foi nesse ponto que a senhora decidiu ensinar como se brincava de verdade. Pasmem! Ela tinha um pião no bolso e bolinhas de gude; uma corda e uma bola na sacola de compras. A garotada que estava ali rodou pião, jogou à vera, pulou muita corda com aquelas musiquinhas engraçadas, brincou de roda, bateu pique, jogou queimado, montou castelinhos de terra, fez competição no escorrega e nos balanços… E só não soltou pipa, porque a senhora não tinha uma com ela. “Era perigoso por causa dos fios de eletricidade”, dizia.

De repente, o calor ficou fortíssimo. O mormaço da manhã se abriu num claro sol de bem passado o meio dia. Foi aí que os dois observadores se deram conta da hora. Tinham gasto toda a manhã e o início da tarde ali, brincando de ver brincar. Nem fome haviam sentido, tão entretidos estavam! E de nada adiantava ir para o trabalho, porque não havia desculpa que colasse e já tinham perdido o dia.

Aproveitaram o orelhão e ligaram para o chefe. Deram uma explicação meio fraquinha, mas, apesar da bronca, parece que colou. Afinal, eram ótimos empregados, que não costumavam deixar furos… Teriam apenas que trabalhar dobrado nos próximos dias para compensar a falta. “Talvez fosse o dia de feriado enforcado que fazia tudo ficar mais devagar e não demandar muito sua presença no trabalho… Enfim…” Como tinham o resto do dia livre, resolveram curtir aquele pedaço de passado, animado como a criançada e a senhora, redescobrindo os jogos perdidos no tempo.

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2 thoughts on “Naquela praça…

    • Cristina Vergnano

      Pois é, JakM… Tem coisas que já não vemos com muita frequência. Talvez porque, simplesmente, estejamos muito ocupados para lançar um olhar sobre elas. E era tão bom, não é?! Fico feliz que tenha gostado do texto. Bj.

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