Opinião

Você lembra que data “comemoramos” hoje? Pois é… o “dia da mentira”!

Por: Cristina Vergnano

Você se lembrou?!? Sim????… Não????… Bom… eu me lembrei e decidi escrever este artigo para você!

Desculpe se ele sai tão tarde. Eu bem que queria ter postado mais cedo, mas, por incrível que pareça, a quarentena da Covid-19 é tudo, menos livre de tarefas. O tempo está curto, pasme!!!! Mas, como até meia noite ainda é hoje… vamos lá!

Andei fazendo umas pesquisas para saber como a tradição começou. (Você pode conferir, por exemplo, em: https://www.infoescola.com/curiosidades/dia-da-mentira/; https://super.abril.com.br/historia/por-que-1o-de-abril-e-o-dia-da-mentira/; https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-mentira.htm; https://educacao.uol.com.br/datas-comemorativas/0401—dia-da-mentira.htm.)   Parece que não há certeza absoluta a respeito, mas o mais aceito é que sua origem está na França e se relaciona à troca do calendário Juliano para o Gregoriano, que hoje utilizamos. Isso aconteceu lá no século XVI!…

Até aquela época, na Europa, o ano novo era comemorado no final de março até o dia 1 de abril. A referência era o início da primavera. Ou seja, se guiavam pelas estações do ano e, simbolicamente, a passagem do frio inverno para o renascimento da primavera era como um momento de recomeço. Faz mesmo bastante sentido… Mas a mudança, provavelmente, se deveu ao objetivo de desvincular essa festividade de comemorações pagãs, afinal, no passado, havia várias divindades relacionadas às estações. Enfim… com o calendário Gregoriano, a festa (e, consequentemente, o início de cada ano) passou a ser em 1 de janeiro.

Podemos imaginar o quanto pode ter demorado para a notícia chegar a todos os pontos da Europa com os recursos daquele período. E, na França, não terá sido diferente, mesmo a ordem tendo partido do rei Carlos IX. Muita gente tardou a tomar ciência do fato e outros tantos não gostaram da modificação e se mantiveram, por certo tempo, insistindo na comemoração fora de época. Logo surgiram os piadistas que decidiram fazer gozações com os teimosos ou desavisados. Entre outras coisas, mandavam-lhes convites para festas inexistentes, ou presenteavam coisas esquisitas. Da França, o costume passou à Inglaterra e a outros países do mundo, chegando ao Brasil via Portugal.

Originalmente, ao menos em alguns países de língua inglesa pelo que entendi, a data era (e é) chamada de “Dia dos tolos”, ou dos “Tolos de Abril”, já que insistiam em algo arcaico e caíam com frequência nas gozações alheias. Eu me lembro bem como eram comuns os trotes, as piadinhas e armações nesse dia. Na escola era difícil não cair em algum! E, por telefone (nada de internet naquela época!), “era batata”!!! Sempre havia uma pegadinha! Mas também houve notícias falsas publicadas em jornais, até em veículos de comunicação sérios, que caíram nos trotes e repassaram as informações inventadas! Imagine você!!!!

Hoje, creio que o costume se perdeu em parte, ou se arrefeceu. Não me lembro de ter recebido alguma pegadinha hoje… Se recebi, deixei de perceber, confesso! E fico pensando por que será…

Tudo bem… já estou quase com 60 anos. Isso significa que vivi a infância, adolescência e parte da juventude numa época sem internet, com tv em preto e branco por um bom tempo, com telefone discado… (Na verdade, demoramos a ter telefone em casa porque era difícil e caríssimo. Não como agora, que se troca de celular e de número com a maior facilidade, até comprando chip numa banca de jornal!) As pessoas mais velhas do que eu (avós, tios etc) falavam com orgulho no poder da palavra empenhada. Quando alguém honrado dizia algo, valia como se fosse documento escrito e assinado. Segundo eles, se podia confiar!

Claro que, no passado, existiam picaretas e a mentira é velha conhecida da humanidade. Não sou ingênua a ponto de acreditar que a verdade era absoluta. Eu arriscaria mesmo dizer que a mentira surgiu com a espécie humana, quando o primeiro homem decidiu abandonar a sua tranquila árvore e aventurar-se numa existência social complexa. Se pegarmos como exemplo a Bíblia, veremos que foi uma dissimulação que levou ao erro os primeiros seres humanos e os pôs a perder. Seja uma imagem figurativa ou não, o fato é que a passagem ressalta o engano como uma arma maliciosa e destrutiva. Igualmente, uma parábola judaica (ao menos foi a referência que encontrei na internet, embora também tenha visto que a história era do século XIX), nos dá uma explicação para a expressão “verdade nua e crua”, mostrando os ardis da mentira. Conta como a Mentira engana a Verdade (com maiúscula, sim, pois se trata de personagens alegóricos), rouba-lhe as roupas, travestindo-se em verdade, enquanto esta recusa-se a vestir as vestes de sua antagonista e sai por aí, nua. (Confira em: https://tita-ferreira.tumblr.com/post/169357696636/verdade-e-mentira-diz-uma-par%C3%A1bola-judaica-que ; ou em https://www.facebook.com/oficialgleicid/posts/287396175246002/ , ou http://listas.ufrn.br/pipermail/ciranda/2019-June/037143.html  sobre a pintura do século XIX de Jean-Léon Gérôme, tratando do tema.)

Enfim, segundo os parâmetros nos quais fui criada e que circularam ao meu redor na sociedade de minha infância, adolescência e juventude, a mentira não era um valor a ser cultivado. Os trotes do “Dia da mentira”, portanto, constituíam brincadeiras, em sua maioria maliciosas, sem maiores consequências, porém. Um desafogo irreverente, mas não um modelo a ser seguido em outros contextos. No entanto, continuo com a impressão de que, atualmente, pouco se recorda a data. Fico pensando se a perda de força dessa tradição teria algo a ver com uma mudança de perspectiva sociocultural e ideológica. Explico-me…

Faz bem pouco tempo, começaram campanhas para combater as chamadas fake news, que inundam as redes sociais na internet. Elas são um problema, mas continuam sendo difundidas, inclusive pela ingenuidade de internautas que não se preocupam em conferir a veracidade das informações. Não raro, escuto alguém comentar que tudo é relativo, que não se pode tomar as coisas tão ao pé da letra. O jeitinho brasileiro também impera e as interpretações para diferentes situações adquirem feições elásticas, por assim dizer.

Não quero, com essas observações, assumir uma postura radical e engessada. Mas, convenhamos, estamos bem acostumados a ouvir e ver declarações que hoje são uma coisa e amanhã assumem outro significado, descaradamente, muitas vezes opostos. Acusa-se a imprensa de manipular a informação, de exagerar, de mentir. Políticos são igualmente acusados e, inclusive, desmascarados em suas inverdades, aqui e por todo o mundo.

Vivemos numa era virtual. A virtualidade, contudo, não deveria referir-se aos fatos, mas aos seus modos de difusão, armazenamento e comunicação, não é?! Ao contrário, parece que a realidade se tornou tão plasmável e mutável que nada mais é o que poderia (ou deveria) ser. Na verdade, pode ser qualquer coisa (que se queira, ou se propague). E, no meio disso, ficamos perdidos. Como o mundo é enorme, nem temos como verificar o que é e o que não é, separando o trigo do joio. Temos fragmentos, nem sempre confiáveis e muito frequentemente suspeitos.

Às vezes, damos sorte! Alguém comentou comigo nesses dias, por exemplo, que há aqueles que afirmam que a imprensa está exagerando o tema da Covid-19 e que usa apenas dados de partes escolhidas da China ou do norte da Itália para ampliar o terror. Que as coisas não são tão sérias. …Nem digo que os jornais e as televisões sejam isentos de alguma “culpa” na acusação. É plausível que várias instâncias estejam aproveitando para capitalizar algo em meio a esta crise (empresas, políticos, agências de notícias etc). Ainda assim, neste particular, como dizia, tenho a sorte de poder comprovar fatos com pessoas que vivem na Itália, por exemplo. E a coisa é séria, sim! Não se trata de simples manipulação jornalística. O mesmo posso dizer da Espanha. Se não estou nesses lugares, ao menos conheço gente de confiança que vive ali e pode me passar com detalhes a realidade dos fatos. Sempre haverá o filtro emocional do olhar de cada um? Naturalmente! Mas isso não transforma seus depoimentos em mentiras ou armações.

Portanto, há verdades presentes nos fatos que presenciamos diariamente. Mas também há mentiras mentirosas ou travestidas em verdades. E, em meio a tal confusão, já não temos parâmetros e duvidamos até do óbvio e do explícito diante de nossos olhos e ouvidos. A mentira já não é levada a sério, pois pode ser elasticamente transportada para o campo semânticos das (meias?) verdades. Com isso, as coisas verdadeiras perdem sua confiabilidade e o “Dia da mentira”, talvez, seu sentido e razão de ser.

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