Digicrônicas

Recomeçamos a caminhada rumo à luz

Por: Cristina Vergnano

No último 28 de março, com o Domingo de Ramos, abrimos a Semana Santa e reiniciamos nossa caminhada anual rumo à Páscoa de Cristo. Ao longo das várias cerimônias que marcam este tempo litúrgico na igreja católica apostólica romana, somos convidados a seguir os caminhos tomados por Jesus em seus últimos dias de vida na terra. Nelas, Deus, que se fez humano para estar conosco, ruma em direção ao martírio, para redimir a mesma humanidade que irá entregá-lo à morte. E nós somos chamados a rememorar esses acontecimentos, não com olhos de historiadores ou espectadores, mas como partícipes de um plano de amor, em busca da transformação interior de cada um e cada uma.

No sermão de um frei capuchinho na missa de Ramos, ouvi-o dizer que a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, sob os gritos de “Hosana” e “Bendito o que vem em nome do Senhor”, foi um acontecimento complexo. Longe de representar o entendimento claro da dimensão salvadora divina daquele Rei, o povo aclamava um suposto libertador humano, que lutaria contra a opressão romana e restauraria Israel. Só a paixão, o calvário e a ressurreição dariam a muitos a percepção exata (ou aproximada) do que estava diante deles, do que lhes era oferecido e pedido.

Em contraste com a recepção calorosa e festiva de Ramos, o peso da prisão, dos interrogatórios, da tortura e da morte brutal a que submeteram o Rei dos Judeus representou a suprema violência. Isso o foi não só em termos de ataque à pessoa de Jesus, mas pelo que significou como assassinato simbólico de todos e todas cuja dignidade Ele havia resgatado, com sua atenção, cuidado, carinho, compreensão e respeito. A sua condenação e morte também estavam marcadas pelo ataque do próprio povo, manipulado pelas elites dirigentes, o qual, enganado, em grande parte virou-Lhe as costas, num ato que podemos considerar, no mínimo, ingrato. Essa gente, no entanto, não sabia o que fazia e o próprio Deus não a condenou.

Ao reviver esses fatos, históricos e teológicos, atualizamos uma mensagem que quer estar viva e presente, transformando e trazendo a paz e a justiça a toda a gente. Quando Jesus fala sobre o juízo final, descreve o Rei que separa as pessoas, na sua vinda gloriosa, como um pastor separa ovelhas dos cabritos (Mateus 25, 31-46), segundo suas ações ao longo da vida. Alerta-nos que todas as vezes que [fazemos] isso [qualquer boa ou má ação] a um dos menores de [seus] irmãos, [é] a [Ele] que o [fazemos].

Então, ao longo dos séculos, desses mais de 2000 anos da era cristã, o recordatório da Paixão nos quer despertar para as paixões cotidianas: todos os atos violentos, desumanos e de desamor praticados contra nossos semelhantes. É o Cristo voltando a ser espancado, torturado, humilhado e morto em cada pessoa que passa fome, adoece, é agredida, desrespeitada, sofre preconceito e discriminação por ações de outros seres humanos (individual, social ou institucionalmente).

A Páscoa é passagem. Passagem que se quer mudança, transformação, transfiguração. Mudança que propõe o surgimento do homem e da mulher novos. Essa novidade, contudo, não é algo fácil de se alcançar, pois somos eminentemente fracos. Nossa debilidade animal nos leva a querer para nós todas as garantias. E, onde há escasso ou nenhum recurso, como já diz o ditado: “farinha pouca, meu pirão primeiro”! Nem só nessas condições, porém, posto que igualmente dão as costas ao amor aqueles que tudo têm e mais ainda querem. Assim, seguimos cedendo às fraquezas, esquecendo que somos seres complexos, mais do que instintivos, com capacidade de refletir, ponderar, controlar nossos desejos e impulsos, pensar no outro, voltar atrás e recomeçar quando caímos. A cada ato violento, nos aproximamos mais de uma barbárie egoísta e autocentrada, afastando-nos do ideal de um mundo igualitário, solidário, amoroso.

Jesus é a nossa Páscoa. A festa, porém, só tem seu sentido pleno no conjunto do Tríduo Pascal: Quinta, Sexta e Sábado santos. Isso porque, primeiro, dEle recebemos o grande presente da comunhão, o pão vivo descido do céu que nos acompanha e fortalece, e a lição de que para amar é preciso servir. Depois, com Ele padecemos e morremos, para, finalmente, ganharmos vida nova, na sua ressurreição. Trata-se de uma passagem, sim, mas que é caminho e direção. Não está pronto, porque precisa de nossa adesão. A vida nova é compromisso de amor. Amor que escuta, que acolhe, que compreende, perdoa e se doa, a fim de que todos e todas possam gozar do supremo Bem e viver na plenitude da luz.

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