Série metamorfoseando o dia a dia – 3. Cotidiano: mesmice e yakisoba
Por: Cristina Vergnano
— Vamo logo, mulhé! Tô roxa de fome.
— Já vou. Tá nervosinha hoje, né?
— A gente vai só pro almoço. Depois volta pro trabalho. Adianta se arrumá toda?
— Vai sabê, miga. E se aparece um gato? A gente tem que tá preparada pra tudo.
— Com licença. Será que eu posso ir com vocês?
— Você… é a senhora que acabou de entrá na contabilidade, né?
— Sou, sim. Desculpem eu me meter, mas ainda estou um pouco deslocada.
— Vamo nessa. E não liga pra cara da Mô. Ela tá com fome e fica mal-humorada.
— Obrigada. Prazer. Sou Alice.
— Então, dona Alice, gosta de yakisoba? É o que eu vou pedi.
— Pode me chamar só de Alice. Acho que nunca comi.
— É gostoso, mas engorda. Só que não tô nem aí. A vida tá uma m mesmo.
— Prazer pobre, né, miga? É um macarrão japonês, dona Alice, com legumes e carne.
— Gosto muito de macarrão. E tudo bem para o resto. Também não estou muito preocupada com a aparência.
— Olha, tem uma mesa vaga ali.
— Moço, três yakisobas. De frango? Isso. De frango. Tô um caco, Lia.
— Tá na cara. Que que aconteceu?
— Nada. Aliás, nada acontece faz tempo. Tudo do mesmo, como sempre.
— Ué? E qual é o problema?
— Eu tava sonhando com um resort maneiro: água de coco, espreguiçadeira, cheiro de verde. E o maldito despertador me acordô pra realidade.
— Fala sério. Sonho? Me poupa, vai.
— Cara, tudo sempre igual. O despertador, a cara no espelho, a cozinha uma zona, a yoga, o trabalho. E hoje ainda tenho que ir no mercado e enfrentá o buzum lotado.
— Tá incomodada com a cara? Pinta o cabelo de vermelho, faz uma progressiva e dá um rolé em vez de ir pro mercado, oras.
— Vermelho? Cruzes, tá pensando o quê?
— Que que a senhora acha?
— Eu? Na verdade, acho que não deveria estar aqui. Vocês duas têm coisas íntimas para conversar e mal me conhecem.
— Desencana! A Mô reclama dia sim e outro também. Reclama da mesmice, mas não faz nada pra mudá.
— Bem, todo mundo se ressente da rotina de vez em quando. É chato mesmo. Importante é se reinventar.
— Viu só, Mô. Se reinventa, mulhé!
— A gente aqui jogando conversa fora em vez de curti o yakisoba. Viu o que você fez? Eu nem acabei e já tá na hora de voltá. Tudo de novo.