Com jeito de medievo
Por: Cristina Vergnano
Deslocava-se às pressas pelas calçadas encardidas, já atrasado pro médico. Ali, ziguezagueou entre montes de lixo, ora agrupados, ora esparramados sem pudor pelo caminho. Lá, se desviou do fio elétrico frouxo, cheio de pombos prontos pra lançar suas bombas. Ao atravessar a rua, onde corria o trecho descoberto de um riacho, teve o impulso de tapar o nariz. Em seguida, num reflexo quase acrobático, escapou do balde d’água da lavagem da casa de festas. Apesar de tudo, lhe faltava tempo pra se aborrecer diante do cenário cotidiano tão familiar.
De repente, algo lhe chamou atenção, tirando o foco da consulta e o detendo, olhos arregalados. Uma ratazana marrom, pelo brilhante, corpo gorducho, saiu correndo de um dos canteiros na borda da calçada. Parece que também se assustou, pois, por um momento incalculável, parou sua marcha e o encarou.
O humano deu de ombros. O rato piscou. Ambos retomaram seus caminhos, com a velocidade que suas urgências demandavam. E a vida seguiu num insólito século XXI.