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Entrevista com Ana Paula Bellot, autora de “O sangue nosso de cada dia”

Por: Cristina Vergnano

O que motiva uma pessoa a se tornar escritora? Há um padrão, campos do saber excludentes ou favorecedores dessa opção profissional? Com que idade alguém abraça tal carreira?

Provavelmente, se tentarmos fazer uma investigação das biografias de grandes autores e autoras ao longo da história, constataremos não existir um perfil único. Cada época oferece parâmetros e demandas próprios e nos contempla com trabalhadores da palavra de natureza diversa. Isso sem contar a bagagem dos indivíduos em si. Seja como for, uma constante na equação parece ser exatamente esta: o trabalho.

Na atualidade, vemos proliferar cursos e oficinas de formação, tanto no ensino formal, quanto nas modalidades livres. Também há extensa literatura sobre escrita criativa e literária. Mas, mesmo pensando no passado, não podemos ser ingênuos e crer que os escritores não estudavam, testavam, experimentavam, manipulavam e moldavam suas criações. Como se diz, se aprende a escrever, escrevendo. Portanto, prática, observação, análise caminham paralelas ao estudo. Outro aspecto a ter em mente é não haver acaso no produto da escritura. Sempre houve manipulação com determinado fim, mesmo quando nós não conseguimos identificá-la. Aliás, aí está o (segredo do) jogo.

Hoje, trago uma escritora da nova geração. Uma jovem cuja formação, num primeiro momento, não nos levaria a pensar nela como uma autora de ficção. Nada mais longe da verdade. Ana Paula Bellot, carioca de Campo Grande, lançou seu primeiro livro de contos em 2022 e já está preparando um romance. Vamos acompanhar um pouco de sua trajetória e conhecer algo de seus bastidores.


Cristina: Oi, Ana Paula. É um prazer ter você conosco no ToV. Sua formação original é em biologia. Como aconteceu seu despertar para a literatura? É algo recente, ou um amor antigo?

Ana Paula: A literatura sempre fez parte de mim. Quando adolescente, eu costumava ler muito e escrever fanfics relacionadas a personagens de quadrinhos e livros. A criação, portanto, era algo como um passatempo para mim; escrevia, sim, mas nunca mostrava para ninguém e nem me considerava escritora. Porém, durante o tempo de reclusão da pandemia, despertei para a escrita e para a literatura de forma mais apaixonada e com muita vontade de estudar, consumir conteúdo e me aprimorar na área. De certa forma, eu diria que um amor antigo renasceu e se tornou muito mais maduro.

Cristina: Como você avalia a relevância da formação em escrita criativa e literária para o trabalho dos autores? Como isso tem funcionado para você?

Ana Paula: Acredito que os estudos e oficinas de escrita criativa e literária trazem, entre tantos outros, dois benefícios primordiais para os autores: a crítica e a exposição. Muitas vezes ao escrevermos sozinhos ou só para amigos, recebemos elogios ou comentários superficiais que pouco ajudam nossa escrita – apesar de amaciarem nosso ego (risos). Em uma boa oficina, seu texto é posto à prova, comentado arduamente e discutido em seus pontos fortes e fracos. Dessa forma, o autor cresce, tanto para si (pois aprende que sua obra ser criticada não significa o mesmo do que ser criticado), quanto para o mundo (pois passa a ter coragem de se expor e de entender diferentes perspectivas sobre um mesmo texto). Para mim, as oficinas trouxeram muitos benefícios e ainda tive a alegria de conhecer tanta gente maravilhosa e talentosa que dá gosto de ler!

Cristina: Costumamos ouvir, também, que não se pode ser escritor(a) sem ser um(a) leitor(a). O que você opina a respeito? Qual o seu perfil de leitora e como isso influencia sua escrita?

Ana Paula: Essa afirmação poderia ser facilmente um mantra (risos). Uma frase que sempre é atribuída ao cientista Isaac Newton diz que se ele olhou mais longe, foi porque estava em cima dos ombros de gigantes. Tanto nas ciências duras, quanto na literatura, essa afirmação faz sentido. Escrever é um exercício de criar a partir de ideias, arquétipos, situações e personagens que já estão por aí, seja no imaginário ou no papel. Eu realmente não acredito que um escritor possa nascer sem leitura. É como um matemático sem números, ora! (risos).

Como leitora, sou uma ávida amante da Grécia, suas epopeias e peças me perseguem. A Ilíada é a obra da minha vida e as duas primeiras linhas do Canto 1 ganharam contorno físico em minha pele. Amo tragédias, romances policiais, investigação, mistério, horror, drama… gosto também da literatura irônica, escrachada, quase como uma denúncia pública bem no estilo de Nelson Rodrigues, por exemplo.

Cristina: Concordo plenamente com você sobre a relevância da leitura para a atividade de escrita. E, a propósito desse gosto por uma temática com recorte trágico e irônico, você lançou “O sangue nosso de cada dia”, um livro de contos, em 2022. Poderia comentar um pouco sobre o processo de criação e publicação da obra?

Ana Paula: Os primeiros contos que compuseram o livro nasceram sem nenhuma pretensão. Meu cotidiano, por muito tempo, era atravessado pelo recorte do Rio de Janeiro indo da Zona Oeste até a Zona Sul. Essas diferenças e misturas me inspiravam a contar histórias, a dar vida a personagens que transitam no subúrbio, no calçadão, na festa de carnaval.  

Eu postava tudo isso em um blog pessoal, divulgava por um tempo e parava por aí. Até que, em um dado momento, comecei a reparar que muitas histórias tinham um fio condutor, quase como elos de ligação mesmo. E aí, pensei: taí, pode ser que eu tenha um livro em mãos! Montei o livro como um único arquivo, coloquei mais alguns contos e levei ele ao mundo graças ao financiamento coletivo.

Cristina: Um belo trabalho e a repercussão tem sido ótima, segundo pude acompanhar. Seu livro tem uma temática que dialoga bastante com o jornalismo, a crônica urbana e a atualidade periférica carioca. Por que essa escolha? Quais são seus focos temáticos (além deste) na produção literária?

Ana Paula: Uma vez ouvi de um amigo mineiro que carioca gosta de sangue (risos) e eu não pude negar. Exageros à parte, a tragédia e o espanto que cercam casos como assassinatos, adultérios, roubos e sequestros me fascinam. É como se através da lupa da literatura eu fosse capaz de compreender, pelo menos um pouco, dessa natureza animalesca tão humana quanto diabólica. A frieza, a maldade, a banalização. Isso junto e misturado com a bondade, a religiosidade, a redenção e o perdão. A relação da natureza humana e sua luta entre virtudes e vícios me fascina. Eu diria que é uma temática universal em todos meus textos, do passado, do presente e do futuro.

Cristina: Não sei se estou de acordo com seu amigo (rs,rs,rs), mas tudo é uma questão de perspectiva e você traz algumas bastante inquietantes e provocadoras, sem dúvida. Quais são seus projetos em curso e futuros?

Ana Paula: Estou finalizando um romance que pretendo lançar ao mundo em julho deste ano. Já posso adiantar que o livro se passará na Nova Iorque dos anos 40 e será voltado à temática de máfia. Além disso, tenho um livro infantojuvenil que está concorrendo a um prêmio, mas não posso dar detalhes devido a questões do edital. Caso ele não seja selecionado, pretendo lançá-lo por alguma editora. Já o romance adulto, pretendo começar seu lançamento via plataforma digital (e-book) e depois pensar a respeito de editais de publicação e editoras.

Cristina: Grandes planos e iniciativas! Bem… nos caberá segurar a ansiedade e torcer pelo seu sucesso. Dizem que viver de literatura é para poucos e, também, que se trata de um trabalho muito demandante. Como você vê esses dois aspectos e de que forma eles afetam, influenciam ou moldam sua vida?

Ana Paula: Eu concordo. Na verdade, pela minha experiência até aqui, o que posso observar é que muitos que correm para o caminho da vida cem por cento dedicada à literatura, nos dias de hoje, acabam se vendendo ao marketing e muitos se tornam um produto de si mesmos. Claro, não são todos – mas uma boa quantidade de escritores derrapa suas carreiras em espirais de vaidade tão ou mais perigosas que o anonimato total. Nesse sentido, busco fazer da literatura para mim hoje uma área livre de certas regras, busco viver a verdade das minhas palavras e não me reprimir para tentar moldar papéis que possam vender “mais” ou “menos” livros. Essa liberdade, claro, tem seu preço: minha vida financeira está completamente fora da área da escrita. Mas, sinceramente? Nada melhor do que ser sincero consigo mesmo. Sou feliz assim.

Cristina: Admiro e aplaudo a sua opção. Se podemos escrever com mais autenticidade e liberdade, por que não, né?  E, com base nas experiências que tem vivido, que conselhos você daria para outros jovens aspirantes a escritores?

Ana Paula: A primeira dica é: preste atenção nas aulas de português! (risos). Dominar o idioma no qual você escreve é fundamental. Eu mesma estou fazendo cursos básicos de português para aprimorar o uso das palavras, de acentuação, de regras… sinto muita diferença! A segunda dica é: deixe que quebrem seu ego. Se exponha a bons professores e amigos, ouça críticas ruins, aceite-as com amor e entenda que criticar o seu texto não é criticá-lo como pessoa. Por último, jamais se venda. Como disse Polônio a Laertes em “Hamlet”: seja fiel a ti mesmo e jamais serás falso com alguém.

Cristina: Conselhos valiosos, sem dúvida. Espero que possam tocar a garotada que está começando a trilhar esses caminhos. Passo-lhe, agora, a palavra para algum comentário a mais que queira compartilhar conosco.

Ana Paula: O que tenho a acrescentar é um elogio ao blog: quero agradecer por essa oportunidade, adorei as perguntas e me sinto honrada em estar aqui.

Cristina: Sou eu quem agradece a sua disponibilidade em participar desta entrevista. Uma conversa fantástica! E aguardo para trazer aqui notícias de suas novas produções.

Ana Paula: Muito obrigada por oferecer um espaço tão bom para nós, autores!

Foi incrível!


Nota: Caso tenham interesse, vocês podem seguir a autora no seu Instagram @ana-paula-bellot ou saber mais sobre seus livros na Amazon.

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