Digicrônicas

Sinestesia

Por: Cristina Vergnano

Temos em casa um espaço pequeno externo, não muito iluminado ou ventilado, pois fica no prisma de ventilação entre os dois blocos do prédio, separado do apartamento vizinho por um muro de uns dois metros. Como moro no térreo e de fundos, na maior parte do tempo, essa área é sombreada pelas construções em volta. Não se trata, portanto, de um recanto tão aprazível, apesar do esmero que usamos na sua decoração. Por este motivo, nem sempre o ocupamos e acabamos deixando de aproveitar belezas inusitadas que a natureza nos brinda.

A varanda está repleta de plantinhas, entre elas, faz alguns anos, temos um pau d’água. Pois bem, aconteceu em 2021 e se repetiu em dezembro de 2022 uma inesperada floração. A surpresa ficou por conta da pouca luz natural banhando nosso jardim em vasos. Nessas condições, a aparição de flores é todo um acontecimento.

Devo admitir, no entanto, que, no final do ano passado, andava desconectada da questão. Sendo assim, foi por acaso, sentando-me certo dia numa das Bertoias da varanda, que descobri não um, mas três cachos de flores ainda fechadas. Pensei logo: “em breve, o apartamento se encherá de perfume”. O efeito, contudo, tardou um pouco e nem consegui senti-lo na primeira abertura de botões.

Num fim tarde do início daquele mês, o doce entrou-me pelas narinas, quando eu estava na sala. Fui logo conferir com os olhos o que já havia percebido pelo olfato. E lá estavam elas, miúdas, agrupadas em delicados buquês, presas ao grande pendão verde, abertas e largando gotas transparentes sobre o emaranhados das folhas da mirra colocada ao lado do pau d’água.

Foto: “Pau d’água florido”, de Cristina Vergnano, dez. 2022.

Peguei o celular, apontei e registrei o momento. Pena, pensei, não terem inventado uma tecnologia que captura cheiros. O som é possível, o movimento também. Mas o toque, os gostos e o cheiro, nem pensar!

Uma lástima de fato, pois só quem está por perto consegue avaliar o impacto dessa floração. Sem sair de seu lugar, invadiu a sala, percorreu o corredor e deixou sua marca no meu quarto e na saleta de tv, dia após dia, sempre, como um relógio, a partir das quatro da tarde, até umas dez da noite.

Chamei a atenção do meu marido para as gotículas brilhantes que choviam daquele conjunto e atraíam pequenos insetos voadores. Ele, imediatamente, recolheu uma, a levou à língua e compartilhou comigo. “É doce.” Doideira! Poderia ser venenosa, imprópria para seres humanos. Fato é que nenhum dos dois passou mal. A experiência apenas reforçou o que nossos narizes já sabiam, compactuando com os polinizadores da planta, mas eu jamais conseguiria guardar para a posteridade no registro fotográfico. Aroma vinha acompanhado de gosto. As flores tão singelas ofereciam uma beleza sutil, coroada de força impactante no quesito odor.

Aquelas sensações despertaram curiosidade e me levaram a procurar informações sobre o vegetal. Eu não o sabia, porém aprendi: paus-d’água são uma espécie africana, muito resistente e versátil, dando-se bem no chão, em vasos, sob sol pleno, meia sombra ou luz difusa. Possuem a propriedade de filtrar o ar de elementos daninhos à saúde e, segundo o Feng Shui, são indicados para casas e escritórios por sua capacidade de transmitir energias positivas. Quando florescem, ainda segundo essa filosofia, indicam a iminência de boas coisas. Se eu tinha dúvidas sobre o acerto de ter uma dracena no apartamento, posso somar ao seu aspecto agradável todas essas vantagens.

A festa, no entanto, é curta. Em uma semana, aproximadamente, as flores cumpriram seu papel. Atraíram polinizadores, encheram de aromas o ambiente, embelezaram nossos olhares e, tão discretas como vieram, se foram. Os pendões estão já pelados, sobraram poucas pétalas murchas e escurecidas ali grudadas. O perfume tênue das retardatárias logo virou só lembrança, até o final deste novo ano, quando o calor chegar.

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2 thoughts on “Sinestesia

  • Giselle Bondim

    Ora, ora, Cristina. Vendo a foto, eu acabo de descobrir que também tenho um Pau D’Água. Na verdade, herdei a plantinha de um colega que foi promovido e passou a trabalhar em Brasília. Era impossível levá-la. Já a conheci com nome, Terezinha. Só comigo está há 12 anos. Fica na porta do meu gabinete e apesar da sombra e do ar-condicionado, floresce de tempos em tempos. Por ocasião da pandemia, pensei que fosse morrer, mas uma faxineira piedosa, sempre passava lá e a molhava. Quando voltei depois de mais de um ano afastada, não só estava vivinha, como esbanjava flores. Foi uma linda recepção e, por outro lado, pensei. A natureza está pouco ligando para quem vai e quem fica…

    • Super legal, Giselle! Eu conhecia a planta, mas não sabia desses detalhes curiosos. Pesquisei para escrever a crônica e achei muito interessantes. A sua é longeva e, de fato, mostrou a que veio e a que sempre vem a natureza, quando nossa ação destrutiva não grita mais alto. Espero que ainda a acompanhe por um bom tempo (ou a quem herdá-la de você)!
      Bjs.

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