Digicrônicas

(S/C)EM PALAVRAS

Por: Cristina Vergnano

Acordei decidida a escrever antes de qualquer outra coisa (e olha que muitas tarefas me esperavam). Não é que eu não estivesse sendo produtiva nestas semanas, escrevinhantemente falando, apesar de ter deixado o Tecendo o verbo um pouco órfão nos últimos tempos. Tenho, inclusive, alguns textos com potencial encaminhados e várias crônicas para a Revista Entre Poetas & Poesias, na qual sou colunista desde o final de janeiro. O “novo normal” pós-pandêmico, contudo, trouxe de volta toda a agitação e demandas anteriores, como se nada tivesse mudado (e mudou, com certeza), roubando-nos os espaços conquistados durante o isolamento. Ademais, ainda não tinha conseguido alcançar a meta fixada por mim mesma para estes dias. No entanto, defini amanhã, quinta-feira, como minha deadline. Então, só restava me sentar e por mãos à obra.

No momento da escrita, a rua estava viva de ruídos: cães, crianças, pássaros cantando, alguma ferramenta elétrica e o vizinho de cima escutando jazz e bossa nova. Meu relógio, tipo pulseira inteligente, me dizia que o sono tinha sido legal, apenas com um pouco mais de REM do que o devido. Talvez fosse isso: os sonhos haviam estimulado minha musa. Seja como for, a deadline se impunha. Coloquei-me diante do computador e, antes de começar, já com ideias pululando na cabeça, decidi escolher uma fonte courrier. Queria, durante o processo, mesmo sabendo que no blog a formatação seria diferente, me sentir diante de uma antiga máquina de escrever, voltar ao passado para recuperar a essência da palavra. Saudosismos românticos, talvez…

Mas, afinal, o que veio antes: pensamentos ou palavras? O que nos fez seres humanos e nos permite, de forma arrogante na atualidade, nos inserirmos num antropoceno? No início foi o verbo e tudo se fez?

A palavra pode ser algo muito forte, transformador e, todavia, também banal e vazio. Tomemos, como exemplo, por um lado, o peso de uma calúnia ou xingamento, a transcendência do perdão, o aconchego da acolhida, o estímulo do incentivo, a fertilidade da criação. E, por outro, observemos a falta de sentido das promessas de boca, das declarações verbais de amor repetidas mecanicamente, dos convites pro forma. Sem querer cair num clichê, mas reconhecendo a sabedoria popular, tudo tem dois lados e, com a palavra, não poderia ser diferente. Portanto, me cabe, aqui, reconhecer sua grandeza e sua futilidade, caminhando de mãos dadas, reforçando a dicotomia presente em todas as pessoas.

E, por que escolhi escrever sobre ela? Porque, tendo em mente o Grupo Traçando de escritores, criado por mim em 2021, me senti inspirada por quem somos e o que fazemos. Queria, agradecer os textos que construímos, saudar o novo ciclo que se inicia em 2024 para cada um de nós, e, ao mesmo tempo, homenagear minhas e meus companheiros traçantes. Afinal, traçar palavras para tecer sonhos e emoções é parte de nossa existência. E a palavra é nossa ferramenta.

Sendo assim, deixei de lado a contista de fantasia, tão presente no grupo, para me revestir da cronista que trago na alma, na mente e nas pontas dos dedos. Registrar um pedaço de nosso cotidiano comum, tão vital e cheio de contradições, conflitos e inspirações, era preciso em sua imprecisão. Palavras e pensamentos brotam, crescem, fogem de nós já maduros, para invadir o mundo e criar, quem sabe, realidades alternativas, transformadoras e restauradoras.


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