Narrativas breves

Madrugada insone

Por: Cristina Vergnano

— PAAAAI!

Que horas são? Ah, uma e meia da manhã. Cedo, ainda. Eu poderia voltar a dormir, tentar dormir. E essa claridade? Difícil relaxar assim. Inferno de persiana velha e vagabunda! Também, quem mandou alugar a droga deste apartamento no Raval, numa ruela por trás das Ramblas? Com tantos turistas em Barcelona para as Olimpíadas, há sempre luz, sempre ruído.

Outra noite em claro. É o maldito pesadelo, uma e outra e outra vez. Nunca disse ao pai que ouvi aquela conversa. Faz tantos anos e, todavia, parece que foi ontem.

***

— Ah, doutor, era tão encantadora e cheia de vida a minha Mercedes…

— Dom Esteban, é o que lhe digo: a situação só vai piorar.

— Ela fica muda o dia inteiro, doutor, mas, à noite, parece que o demônio toma conta. Desata a dizer coisas que tenho até medo de repetir. Já nem ouço mais.

— Pois, confirmo o diagnóstico: além do problema físico, sua mulher tem um grave transtorno mental. Como está quase paralisada, não vejo necessidade de contê-la, nem internar. Apenas deixá-la o mais confortável possível e… E observar o garoto.

— Meu filho? Como assim?

— O mal pode ser hereditário.

— Quer dizer que, a qualquer momento, ele pode surtar e ficar violento?

— Tudo é possível, meu caro. O futuro dirá. Nesta Espanha franquista (e, cá entre nós, que ninguém nos ouça), estamos muito atrasados. Mas a ciência avança e há o resto da Europa a nos dar alguma esperança.

***

Então, era isso. O que um moleque de cinco anos poderia pensar? Óbvio que não entenderia mais da metade. Um pavor generalizado, no entanto, exalava pelos poros e enchia o ar naquela pequena casa em estado de luto. Meu monstro, portanto, nunca deixou de sair das sombras do armário. Só que ninguém pode desconfiar. Jamais. Ainda estou são, ao menos, acho que estou. Nunca se sabe, porém, o que aguarda na próxima esquina. Enquanto isso, viver a vida.

Não tem remédio. Sem chance de dormir. Talvez o chefe esteja no escritório e possamos adiantar um caso. Afinal, a maioria deles tem a noite por companheira.

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