Narrativas breves

Lei de Murphy

Por: Cristina Vergnano

Sexta-feira, cinco e meia da tarde, saída do trabalho no centro da cidade. Adamastor (que odeia esse nome sem noção imposto por seu pai) entrou no ônibus com as mãos carregadas. Tinha passado no mercado depois do serviço. Maldito ar-condicionado! Hoje, que nem tá quente, colocaram na toda. Vou acabar pegando um resfriado e já era meu programa de sábado. Mas, daqui a pouco, vou sentir calor. Isso aqui tá ficando cheio e aposto: o ar vai pifar quando a gente nem puder se mexer. O rapaz, com azedume maior do que o habitual, se equilibrava precariamente numa condução a cada minuto mais lotada. A sorte (ou, talvez, azar, dependendo do ponto de vista) era o engarrafamento, pois o ônibus mal se movia. Então, não se requeria grande esforço para se manter de pé, sem deixar cair as sacolas ou a si mesmo. Cara, você viu de manhã a notícia na tevê? Qual delas? A que vai faltar luz no nosso bairro a partir das dezenove, não sei por que motivo. E quanto tempo vai durar? Sei lá! Coisa mais besta, escolher uma sexta à noite pra cortar a luz. Isso deve ser treino pra algum desastre, desses de filme catástrofe. Tu é besta, mané! De onde tira essas ideias? Ai, budega, tinha me esquecido disso! Eu aqui com esse monte de compras e o ônibus devagar-parando-parado. Tenho que chegar antes das sete. Quem mandou alugar um cubículo naquele espigão novo de quinze andares, justo no décimo-quarto. Tô ferrado se chegar e não tiver energia. A condução deu um solavanco. O povo sofreu a ação da inércia e foi-se espremendo, primeiro para trás, em seguida para frente, ao som de xingamentos e gritos de dor. Ô, motorista incompetente, não vê que a gente nem consegue se segurar? Comprou a carteira, é? O Adamastor também gritava, mas era por dentro, incomodado com a cusparada do passageiro ao lado, tentando em vão olhar de rabo de olho o relógio e adivinhar a hora, sem deixar cair nenhum item das suas bolsas. O suor começava a escorrer, não se sabe se do nervoso ou do calor. Por fim, chegou no seu ponto. Pediu que tocassem o sinal para ele e desceu aos tropeções. Ainda precisaria subir toda a rua, uma ladeira razoável. Os minutos voavam, porém, a luz continuava acesa. Cadê a porcaria da chave? Entra desgraçada. Dezoito e cinquenta e nove. Vai dar? Tem que dar! Parece que foi alarme falso. Ufa, enfim o elevador. Dezenove horas e ainda tem luz, que bom, era fake mesmo. Deixa eu apoiar essa tranqueira aqui no chão, botão do 14º, ap, banho, cerva gelada, ligar pra Shirlene, vai dar certo, sextou, o fim de semana começa bem. Seu pensamento for interrompido, subitamente, às dezenove e um, entre o terceiro e o quarto andares. Putz, cadê a droga dessa luz?

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