Ah… essa nossa amiga água…
Por: Cristina Vergnano
Não há vida (ao menos na forma como a entendemos e conhecemos) sem a existência de água. Um dos problemas da colonização dos planetas e luas em nosso sistema solar é, entre outros, este: a falta de H2O em suas superfícies. Claro que temos que adicionar a ausência de ar respirável à equação, mas esta é matéria para outra conversa.
Em janeiro de 2020, ou seja, há pouco mais de um ano atrás, escrevi e publiquei aqui no ToV uma crônica chamada A peste. Ela foi inspirada na crise do abastecimento de água potável na cidade do Rio de Janeiro, naquele momento. E não é que, cerca de 13 meses depois, nos deparamos uma vez mais com o mesmíssimo problema? Água turva, malcheirosa, com gosto de terra. Quando não, sua total falta em vários bairros. Aqui vamos nós de novo!!!!
Na minha casa, já faz umas semanas, suspeitava da situação, mesmo antes de esta ganhar espaço nos noticiários. Embora a água esteja clara e não se distinga um cheio peculiar com facilidade (digamos que somos afortunados no cenário geral), o gosto, este sim, tem algo de moringa de barro, ou poço. Nossa sorte é só sentirmos isso no momento de escovar os dentes, pois os filtros duplos instalados antes do bebedouro e da pia da cozinha nos poupam do sabor desagradável na hora de beber e cozinhar.
Parece incrível não se ter implementado nenhuma medida para evitar um problema que parece sazonal. Testes realizados, no final do mês passado, apontam para a presença da geosmina na água da estação de tratamento do Guandu, que atende ao Rio, tal como em janeiro de 2020. Se não bastasse isso, ainda há, como comentei acima, a falta do abastecimento em diversos bairros da capital fluminense, algo também recorrente. Em um dos telejornais deste 05 de fevereiro, um senhor entrevistado disse que esperou a chuva da madrugada para recolher alguma água, a fim de suprir suas necessidades em casa. Imaginem!
Neste ponto, mudo o tom e ressalto outro fato ligado ao tema da água. Este, bem mais leve. Foi, aliás, meu motivador original para o artigo. Peguei apenas carona na questão da contaminação, pois não poderia ignorá-la. Ainda mais considerando sua reincidência.
Acontece que na sexta-feira, dia 05 de fevereiro, depois de várias semanas com um calor abrasador e uma umidade relativa do ar bem baixa, fomos presenteados com chuva, resultado de uma frente fria vinda do sul do país. No início da tarde, saí para resolver uma rápida pendência e aproveitei para dar uma breve caminhada pela minha rua. Uma forma prática, econômica e segura (em tempos de pandemia) de fazer algum exercício leve. Após menos de meia hora, fui recebida pelos primeiros pingos. No início discretos, mas, rapidamente, grossos e abundantes. Apressei o passo e voltei para o apartamento, sentindo o frescor das gotas e o cheirinho de terra molhada (aqui, sim, no seu devido lugar).
Tenho certo receio, confesso, de que, depois de tanta seca, esse aguaceiro cause as habituais inundações e deslizamentos. Tais ocorrências também são problemas aparentemente insolúveis para a administração pública, causadores de vários transtornos. Só posso rezar para que ninguém saia ferido e não haja grandes perdas materiais.
De qualquer modo, preciso admitir que são águas bem-vindas. Ao menos neste fim de semana, estamos gozando de temperaturas amigáveis, com uma queda de mais de dez graus centígrados em relação à última semana. Os termômetros começaram a baixar na noite de sexta-feira, dos mais de trinta e cinco graus dos últimos dias, e continuam sua redução neste sábado. Fui tirar as fotos das plantas secas para este artigo e, logo depois, pude, já da janela do apartamento, observar e registrar a chuvarada das 14h, acompanhando essa gradativa redução na temperatura do termômetro (o valor mais alto é do interior do apartamento e o menor, do exterior). Sim, porque, após a forte pancada, aqui na Tijuca, bairro do Rio de Janeiro, alcançamos a marca de 22.2 graus, em pleno verão carioca!
Muita gente ficará, suponho, amuada. Tanto pela chuva em si, quanto pelo frio, o qual não apreciam. Eu, da minha parte, deleito-me: o fresquinho, o ruído hipnótico e calmante das gotas caindo, a antecipação do verdor que explodirá nas folhas das plantas ressequidas… Tudo pulsa em vida e serenidade. Um hiato para relaxar.
A vegetação, já que falei nela, naturalmente, terá um alento. Até aquelas apreciadoras do calor do verão vêm sofrendo e exibem os efeitos do sol intenso e da falta de chuvas regulares. Está sendo demasiado, mesmo para elas… Muitas apresentam manchas amareladas em sua superfície, ou um ressecamento que lhes dá aparência de papel seco, quebradiço ao toque e crepitante ao ouvido.
Os gostos são diferentes. Não podemos esperar que todos tenham iguais perspectivas ou sentimentos com relação aos fatos do cotidiano. Mas é inegável que a água nos traz e mantém vida. Se nossas ações sobre o meio ambiente vêm causando distúrbios e desequilíbrio, inclusive favorecendo temperaturas invernais em pleno verão, há que buscar soluções e adotar novos procedimentos. Enquanto isso não ocorre, fiquemos gratos pelos momentos de renovação e resistência da natureza. E festejemos a irmã água, fonte de vida.