Dia dos Mortos: tempo para lembrar e honrar
Por: Cristina Vergnano
A morte é trânsito. Os franciscanos, a propósito, celebram o falecimento de São Francisco de Assis, a cada 3 de outubro, usando exatamente este termo.
Em meio a tantas dúvidas, ela é nossa única e garantida certeza. E, talvez por isso mesmo, assuste tanto. Não podemos negá-la: faz parte da vida, que, porém, sempre encontra um novo caminho para trilhar.
Ao ser porta, mais do que fim, morte significa passagem. Logo, está marcada pela esperança, embora se revista de medo e luto.
A forma de encararmos a conclusão de nossa jornada na existência humana varia e depende tanto de crenças religiosas (ou de sua ausência), quanto das experiências que acumulamos. Há aqueles que creem só haver esta vida e, ao terminá-la, deixamos de existir. Nossos restos mortais se convertem, então, em adubo. Mas, ainda sob esta perspectiva, poderíamos considerar que sobrevivemos nos seres aos quais alimentamos, não é?
Certos indivíduos, por sua vez, embora igualmente descrentes no além-túmulo, consideram possível perdurar por meio das obras: artes visuais, música, literatura, estadismo, caridade etc. Algumas memórias serão positivas e recordá-las constituirá um tesouro e um conforto. Outras, ao contrário, trarão dor e sofrimento. Nestes casos, as pessoas, simplesmente, desejariam lançá-las ao esquecimento.
Uns defendem que retornamos a este mundo, com identidades diferentes ou até em animais, num processo de crescimento. O cristianismo nos exorta a viver e trabalhar aqui pelos irmãos e irmãs, plantando o amor, pois, um dia, estaremos na casa do Pai, vivendo sob sua glória.
Em muitos aspectos, a vida está marcada pela sombra da morte. Na maioria das vezes, desejamos continuar vivendo, mesmo quando nossas realidades são duras. A esperança de dias melhores nos impulsiona. Então, afastamos a certeza da finitude, perseguimos a juventude eterna e, com certa frequência, deixamos de usufruir cada precioso momento, o qual pode ser o último, e as pessoas a quem amamos. O medo paralisante da morte, pode, inclusive, ser fruto de um temor à própria vida e seus desafios.
Em textos mitológicos, literários ou cinematográficos, observamos uma curiosa situação de dubiedade: o desejo de vida eterna segue paralelo com a inquietude sobre a imobilidade de uma existência sem fim. O tema do tédio dos imortais apareceu em Jornada nas Estrelas, num personagem do Q Continuum que desejava tornar-se mortal. Em um trecho da Odisseia, Ulisses manifestou o desejo de sair da ilha de Calypso, onde poderia ser como um deus, e retornar à Penélope, rejeitando a imortalidade. O prêmio do último imortal em Highlander descobrimos ser a possibilidade de, finalmente, morrer. Imaginemos, então, o horror de Prometeu, o titã que roubou o fogo e o deu aos homens, ao ter seu fígado diariamente comido por uma águia, regenerando-se, para, no dia seguinte, tudo voltar a se repetir, sem a possibilidade de morrer e terminar seu suplício.
Afinal, o que a humanidade de fato ambiciona quanto a esta matéria? Difícil pergunta. Mais complexa seria uma única resposta. Pessoalmente, creio que não terminamos nossa jornada por aqui. Sendo assim, temos uma responsabilidade na caminhada, nas escolhas feitas. E, também, penso sermos uma combinação do que construímos e das bagagens que carregamos. Nossa história, assim, tem muita importância, bem como todos e todas os quais a compuseram.
Nesse sentido, acho linda a manifestação mexicana em relação aos seus mortos, fruto de um sincretismo religioso entre as crenças da cultura pré-colombiana local e do cristianismo. No dia 02 de novembro, festejam a vida e a morte de mãos dadas, facetas da mesma moeda. Seus ancestrais vivem com eles, em suas memórias, mas, nesta data, estão, também, em nosso mundo, conectam-se conosco.
Creio que uma das maiores dores é perder nossos entes queridos, não poder vê-los, conversar com eles, aprender com sua sabedoria e limitações. Essa celebração os traz para mais perto e renova nossas esperanças de uma reunião definitiva. Por isso, as cores, flores, comidas e músicas do Día de los Muertos me parecem muito mais uma festa à vida: daqueles que se foram e são honrados nessa data, dos que aqui ainda permanecem e do amanhã de ambos.