Reminiscências 2: Quão doce é o doce de batata-doce (roxa)?
Por: Cristina Vergnano
Há uns dois meses, encontrei batata roxa no Hortifruti. Primeiro, pensei que seria apenas uma batata-doce qualquer com a casca dessa cor. Como uma delas, no entanto, estava partida ao meio, constatei meu engano. De fato, era da autêntica! Não pensei duas vezes: comprei logo um punhado, como também algo da clara.
Acontece que, na minha infância e adolescência, esses tubérculos eram relativamente fáceis de encontrar, embora não tanto quanto suas primas branco-esverdeadas. Ao serem, suponho, sazonais (embora eu desconheça o seu ciclo exato), estavam disponíveis numa determinada estação. Mas, ainda assim, era garantido achá-los e comprá-los a cada ano nas feiras livres. Aos poucos, porém, foram desaparecendo até sumirem de vez. Esta é uma situação que se repete com diversos alimentos na atualidade: são substituídos por outros, ficam inviáveis economicamente, ou se extinguem por algum desequilíbrio da natureza. Ao refletir sobre isso, penso logo no coquinho de catarro, por exemplo, tão comum na beira de estradas do estado do Rio de Janeiro, nas minhas viagens de pequena com meus pais. Achei muitas referências a ele na internet, mas nunca mais vi tantos pelos caminhos que antes foram cenários dos passeios familiares. Se, por um lado, agora podemos provar muitas novidades importadas, por outro, ficamos sem algumas referências quase ancestrais.
Confesso ter lamentado a perda… Se eu quisesse saborear o tal petisco, como me faltava o ingrediente principal para confeccioná-lo, teria de confiar nuns que eram vendidos, às vezes, em lojas, vindos de Minas Gerais ou de Friburgo. Faz um tempo, contudo, voltei a ver essas raízes comestíveis à venda, de vez em quando, para meu contentamento.
Doce de batata (da branca, mesmo!) foi um dos meus preferidos, junto com as paçocas, maria-moles e cocadas, quando eu era criança. Refiro-me àqueles mais cotidianos e simples, porque os de gemas (como chuviscos, papos-de-anjo e fios de ovos), ou as bombas de chocolate e mil folhas eram outro departamento! Apesar de muito apreciados, só os comíamos em ocasiões especiais, sendo bem menos frequentes no cardápio.
Na época do primário, passávamos pela feira de quinta-feira quando íamos para a escola. Lá, adquiríamos essas guloseimas corriqueiras para juntar à merenda. Umazinha só por lanche, óbvio! Não dava para se empanturrar de coisas açucaradas impunemente. Já o doce de batata roxa, este era feito em casa, como as demais compotas caseiras, de abóbora, mamão verde ralado ou coco.
Adolescente, eu mesma o fazia: um montão de batatas-doces comuns cozidas e amassadas, outro tanto das roxas, açúcar, canela em pau, cravo da Índia e muito muque para mexer aquilo tudo na enorme panela, até dar o ponto, pegando no fundo. Às vezes, quando cismo em preparar sobremesas, penso que, no passado, com menos ajuda da tecnologia para facilitar a tarefa, as pessoas podiam comer tais delícias sem culpa. Afinal, era tanto esforço para fazê-las, que muitas calorias iam embora antes de começar a comilança. Também tinha o fato de os ingredientes serem mais naturais, sem aditivos químicos, agrotóxicos e similares. Lembro-me, ainda, da minha avó paterna batendo manteiga e bolo à mão, com a vasilha apoiada na cintura, bem agarrada com o braço esquerdo, enquanto a colher de pau, firme na mão direita, realizava seus movimentos ritmados. Sem contar as compotas de mamão verde com a fruta tirada do quintal, ou a de gemas (do galinheiro de casa) e leite, aquele de garrafa com muita nata, levado pelo leiteiro na porta. Quitute de vó é, sem dúvida, tudo de bom!
Bem… comecei esta crônica por causa da tal batata roxa encontrada no Hortifruti, certo? A tentativa de torná-la sobremesa se deu na mesma semana da compra. Fiz o doce como costumava fazê-lo há anos, usando tanto batatas claras, quanto as roxas. A mudança ficou por conta do açúcar cristal orgânico, ao invés do refinado, agora em menor proporção. Acontece que, salvo algumas exceções, como os doces de ovos os quais amo, hoje tenho menos apreço por coisas muito açucaradas. Então, minhas receitas acabam recebendo menor quantidade desse ingrediente: o suficiente para dar o ponto adequado. Gostoso, mais saudável e menos enjoativo, não é?! Pois bem, para a minha felicidade, deu tudo certo: muito bom e com sabor de nostalgia.
Apesar de eu reconhecer o fato de os aparelhos eletrodomésticos facilitarem uma série de tarefas, temos de admitir: nem sempre estamos dispostos e disponíveis para fazer essas coisinhas caseiras, como doces em compota. Durante a vida laboral “produtiva”, é frequente sermos muito solicitados. Assim, ou nos falta o tempo, ou, quando o temos, carecemos da coragem de embarcar numa atividade que, embora prazerosa, requererá certo esforço. Tenho, contudo, uma teoria: a de que investir em momentos para atividades manuais (principalmente se nosso trabalho é intelectual ou sedentário) e para essa experiência de redescobrir o prazer em fazer a própria comida nos tira a tensão e diverte. De qualquer maneira, sempre é bom recordar essas (e outras) práticas da nossa própria infância, ou de um passado remoto, nem que seja pelo desafio e pelo gosto de criar algo com nossas próprias mãos, para desfrutá-lo depois.
Um dia eu vou consegui escrever tão bem como vc. 30% pra min tá bom! texto top!
Oi, Joelson! Muito obrigada pelo elogio. Fico feliz pelo texto ter agradado você.
Não se preocupe, não: escrita é prática e leitura. A gente nunca para de aprender. Você consegue, sim!
Bjs.