Tá chegando o dia, tá chegando a hora…
Por: Cristina Vergnano
Eu estava inclinada a não escrever nada sobre o tema, até por já o ter tangenciado recentemente, mas cheguei à conclusão de que não era possível me omitir neste momento. Estamos a poucas horas do segundo turno das eleições 2022 no Brasil. É a reta final para a escolha do presidente que estará no comando do país pelo próximo mandato. E, nestes tempos em que vivemos, isto não é de pequena monta.
Ainda hoje pela manhã, aqui perto de onde moro, houve o Ato Grande Tijuca com Lula, com concentração na Praça Saenz Peña, importante centro desse bairro carioca. Pelos comentários e fotos que recebi, foi um evento pacífico, porém, concorrido, com direito a uma homenagem às vítimas da covid-19. Lamentável, apenas, foi a aparição de um grupo opositor lançando spray de pimenta nos participantes da manifestação, um pouco antes de iniciarem a passeata rumo à Praça Afonso Pena. Como se constata, o clima amistoso dos que desejavam afirmar em público seu apoio à candidatura do ex-presidente não foi unanimidade, nem, infelizmente, o que se observou, em geral, durante diferentes campanhas neste pleito.
Exacerbando o observado em 2018 (ao menos, opino assim), a polarização agressiva, o abuso de fake news e as hostilidades ocuparam os meios de comunicação, as redes sociais e as ruas em 2022. Percebi, também, que, talvez pela lembrança dos dissabores de há quatro anos, houve quem se mostrou cauteloso em seus posicionamentos, por receio a represálias. Foi assim, segundo testemunho dos próprios, com um porteiro, evitando tomar partido para não sofrer bullying de colegas ou patrões e com uma professora que retirou o adesivo com a estrela e o 13 ao retornar de um evento científico ao Mato Grosso, onde trabalha. Eu mesma tendi a não perguntar a determinadas pessoas, por quem tenho apreço, sua opção eleitoral. Desejava evitar embates que poderiam pôr a perder a amizade.
Durante os últimos tempos, vimos crescer: animosidades, discriminação de toda sorte, desrespeito às leis, invasão de pressupostos religiosos em assuntos de ordem civil e uma certa irracionalidade nos posicionamentos, além, claro, das narrativas forjadas. Não posso, por exemplo, deixar de comentar o quão pasma fiquei diante da notícia de que o ex-deputado federal Roberto Jefferson, em prisão domiciliar, recebeu com tiros de fuzil e granadas os agentes da polícia federal. O caso é emblemático da conduta violenta a qual se vem instaurando na sociedade. Que tipo de modelo podem ser personalidades relacionadas aos poderes instituídos quando agem de tal forma?
No dia 08 de outubro, o El País publicou um artigo de opinião, assinado por Oliver Stuenkel, intitulado “Por que votamos em Hitler”. Recebi o link pela Newsletter do Twitter, li e fiquei impressionada. Tenho uma relação emocional complexa com tudo ligado à Segunda Guerra. Minha mãe, cuja família era bem pobre e nem conseguia comprar todas as coisas permitidas nos cartões de racionamento, comentava sobre as angústias daquela época, em especial quando acompanhavam as notícias da BBC pelo rádio. Passou metade da infância e da adolescência no clima desse conflito mundial. Quanto a mim, cresci numa ditadura militar, com a censura, a sombra da guerra fria e do holocausto nuclear. Os horrores rememorados da ofensiva nazista não melhoravam em nada a situação. Por isso mesmo, ao perceber, em nosso país, diretrizes e comportamentos bastante similares àqueles que surgiram e foram alimentados na Alemanha dos anos 1930 e 1940, sinto medo. Civis armados, tomando a justiça (segundo seus pressupostos particulares) nas mãos, pessoas sendo insultadas apenas devido à cor de sua pele, identidade de gênero, orientação afetiva, opção religiosa, ou lugar de nascimento são indícios já vistos antes na história e que não terminaram bem.
Entre os argumentos reiterados atualmente contra um suposto “avanço comunista”, estão a possibilidade de o Brasil virar uma Venezuela, o fechamento de igrejas, ou a aprovação do aborto, caso a esquerda assuma novamente o poder. Pensemos por um momento. Em primeiro lugar, a candidatura de Lula, no meu entender, não pode ser definida como uma esquerda (radical?) stricto sensu, inclusive pelos apoios que hoje recebe. Eu a caracterizaria mais como uma coalizão democrática, com forte preocupação pelo bem-estar social. Consideremos todas e todos os políticos, artistas, intelectuais e personalidades unidos sob essa bandeira.
Reflitamos, então, sobre o que ocorreu no nosso país vizinho (ver vídeo do vereador de São Paulo pelo PSB, Prof. Eliseu Gabriel). Antes de assumir ditatorialmente, Chávez implementou várias ações: (a) ofereceu uma série de vantagens aos militares, inserindo-os em diversos cargos do governo; (b) criou uma espécie de orçamento secreto para os parlamentares; (c) obteve ampla maioria no congresso; (d) antagonizou o judiciário até obter controle sobre este poder, incluída a polícia; (e) armou as milícias, em muitos casos, formadas de policiais corruptos e crime organizado. Este cenário em nada se parece com o ocorrido durante os oito anos do governo Lula, no entanto, tais ações nos soam familiares e recentes.
A questão sobre fechar igrejas veio de uma dona de salão de beleza daqui do Rio de Janeiro. Isso somente seria possível se a constituição fosse rasgada, pois a liberdade de culto é um princípio democrático em nosso país. Trata-se de uma pressuposição sem sentido, fundamentada, provavelmente, em disse-me-disse, preconceito e receios quase atávicos contra a esquerda.
Passemos, agora, ao tema do aborto. Embora eu reconheça que há argumentos objetivos e mesmo coerentes de alguns grupos para apoiá-lo, gostaria de deixar claro que não sou, por princípio, favorável à medida. Contudo, o receio de que seja aprovado pelo simples fato de o PT ganhar as eleições nem me passa pela cabeça. É uma prática dependente de leis e quem legisla sobre tais matérias é o congresso. Dado que hoje este está ocupado por maioria conservadora e se trata de um assunto sensível, sem apoio de grande parte da população, não seria a presença de um indivíduo no executivo capaz de promover essa aprovação. Enquanto existir equilíbrio entre os três poderes no país e uma efetiva democracia, as coisas nunca se resolverão de forma arbitrária, com autoritarismo, à revelia do desejo de cidadãos.
Falei em outro artigo sobre o sentimento de ter sido desapropriada de um bem identitário, quando a extrema direita se apossou da bandeira, do hino nacional e de nossas cores. Continuo com essa impressão. Vejo, no entanto, um movimento de resistência, de recuperação daquilo que, por direito, pertence a todas e todos os brasileiros. Como postei no perfil do Tecendo o verbo no Instagram, cores e símbolos da nação pertencem a todas e todos nós. Liberdade responsável e respeito são aspectos imprescindíveis numa democracia. Portanto, a manifestação de opiniões e posicionamentos divergentes é esperada e desejada. No entanto, precisa haver civilidade, porque a violência jamais foi solução para resolver conflitos e carências. As respostas estão na educação, na saúde, na igualdade de oportunidades e de tratamento, direitos sempre universais. Enfim, esperemos que o que nos mova às urnas amanhã seja o profundo senso de respeito e valorização do ser humano e de nossa casa comum.