Digicrônicas

Sobre o tempo, o Tempo, a escrita e a vida

Por: Cristina Vergnano

O tempo passa. “Ok”, vocês me dirão. “Esta é uma afirmação tão óbvia que chega a ser irrelevante.” Até concordo. Mas, em nossa existência comum, passará o tempo, ou nossa percepção dele? Sem pontos de referência, conseguiríamos registrar essa passagem?

O que nos garante, creio, seu caráter dinâmico é a apreensão das mudanças ao nosso redor. Lembro-me, por exemplo, de uma cena icônica do filme clássico “A máquina do tempo” (1960), baseado no livro homônimo (1895) de H.G. Wells e estrelado por Rod Taylor. O cientista, ao acionar seu invento, presencia as alterações nas vestimentas de uma vitrine de loja, à frente de sua janela, e no céu, por uma claraboia sobre a cabeça. Quanto maior o impulso na alavanca controladora, mais velozes eram as cenas e cenários desfilando diante dos olhos do observador.

Nós, numa sala fechada, sem relógio, nem celular, sem acesso às estrelas, ou à alternância entre sol e lua, sem um espelho para perceber o aparecimento de rugas e o embranquecimento dos cabelos, provavelmente nos perderíamos na contagem do tempo. Mesmo marcando palitinhos na parede, como prisioneiros de masmorras, quais paradigmas usaríamos para garantir que teriam transcorrido vinte e quatro horas a cada nova marcação?

A duração de minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas e séculos tem sua base matemática e física, apoiada e garantida por observações astronômicas e cálculos. Ainda assim, nos permitimos ajustes, como a proposição de anos bissextos, a fim de compensar as seis horas perdidas no cômputo anual durante três anos. E, claro, a contagem deverá variar segundo o local onde estivermos: ou seja, se na Terra, na Lua, em Marte, ou em outra parte do universo. Daí as datas estelares nos seriados de Jornada nas Estrelas, de Gene Roddenberry, ou o fisiotempo em O fim da Eternidade (1955), de Isaac Asimov. Afinal, diferentes contextos e perspectivas implicam novos focos observacionais e, portanto, distintos parâmetros para a unidade de medida.

Temos, ainda, o tempo subjetivo e psicológico. Quem nunca sentiu que a hora custou a passar, ou as férias se foram num piscar de olhos? E, no entanto, em termos matemáticos, aqui na Terra, os minutos decorridos teriam seguido os mesmos padrões em cada situação, certo? Ou será que não?

De fato, nosso emocional parece ter grande influência em como percebemos esse transcurso do tempo. Quando estamos ansiosos ou em sofrimento, é como se tudo estivesse emperrado, não andasse. Quando nos divertimos, nunca achamos que o período dura o suficiente. Jovens, desejando se tornar maiores, se sentem acorrentados, presos num veículo que se arrasta. Adultos e velhos, cuja vida já teve uma longa trajetória, se ressentem de como tudo é acelerado e sua existência se esvai. No final das contas, a percepção temporal se mostra insatisfatória na maioria dos casos e nos colocamos na posição de escravos ou prisioneiros de um Tempo com identidade quase divina.

Há cinco anos, após minha aposentadoria, criei o Tecendo o verbo. No princípio, em época de plena pandemia, o tempo parecia congelado e eu escrevi intensamente. Era como seu eu possuísse a infinidade. Quaisquer coisas cabiam naquele período, cujas fronteiras entre dia e noite se diluíam. E como preenchi meu tempo! Cursos, concursos, escrita, leitura, desenho, conversas, música, filmes…

Acabada a emergência sanitária e reaberto o mundo, aquele conjunto ilimitado de possibilidades já não é mais comportado pela vida. Outras demandas se impõem e seduzem. Atividades ficam para trás e precisamos reaprender a administrar e conduzir o tempo, tanto o subjetivo quanto o matemático-físico-astronômico. Por isso mesmo, minha produção no blog ficou mais escassa, embora eu não a considere pior, nem abandonada. Agora, preciso dividi-la com as crônicas quinzenais na Entre Poetas & Poesias e outras práticas escritas, as leituras, as obrigações domésticas, as atividades externas cotidianas, o contato presencial com parentes e amigos, o deslocamento pela cidade, os cuidados com a saúde, entre outros. É muito para lapsos diários tão curtos, eu diria.

Embora a conjuntura tenha mudado, todas as experiências vividas são aprendizado. Não teremos, claro, sucessivas vidas eternas, como ambicionava Orochimaru, personagem do mangá Naruto, de Masashi Kishimoto, a fim de aprender todas as técnicas ninja. Nem conseguiríamos, qual Fênix, renascer das cinzas e começar de novo e de novo e de novo. Tampouco possuímos o vira-tempo usado por Hermione, na saga Harry Potter, de J. K. Rowling, para duplicar suas horas e comportar mais aulas e estudos.  Então, nos cabe gozar o momento presente, congratularmo-nos com o construído no passado e esperar, sem pressa ou expectativas, o que se venha a vivenciar no futuro. Quanto a mim, neste instante, paro e canto parabéns ao jovem “Tecendo o verbo”, aniversariando neste 17 de setembro, com os frescos cinco anos de sua existência. Comemoro com vocês e torço para que venham mais.

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4 thoughts on “Sobre o tempo, o Tempo, a escrita e a vida

  • Cristina, antes de mais nada, parabéns pelos 5 anos do Tecendo o Verbo! Todos nós que participamos do Grupo Traçando crescemos também e amadurecemos (pelo menos do ponto de vista da literatura, ou de nosso amor por ela) através de nosso convívio, nossas reuniões e produções.
    O Tempo, essa entidade até hoje não compreendida de todo pelos cientistas, e que Einstein definiu como “a grandeza que se mede com um relógio”, parece zombar, esquivo, de tudo o que se diz a seu respeito, e, como gigantesca serpente, se dobra, enrosca, encolhe, estica, mistura-se ao espaço e confunde nossa percepção. Parabéns, também, pela crônica, na qual você nos brinda com muitas relevantes referências sobre o assunto, além das considerações racionais, muitas vezes até didáticas, mas sempre cativantes.
    Obrigado pela dedicação!

    • Obrigada, Osvaldo, pela leitura generosa e pelos parabéns. O que seria de um blog de escrita sem seus leitores, não é? E, sim, o tempo, tão concreto e tão abstrato, nos engolfa com frequência. Vivemos um constante exercício de aprender a lidar com ele. Um dia a gente consegue! 😉

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