Opinião

ADAPTABILIDADE

Por: Cristina Vergnano

Aviso importante: Este artigo de opinião é longo. Você pode desejar não o ler por isso. Mas, o lado bom é que pode fazê-lo em duas etapas, pois ele acaba tratando de dois aspectos que podem ser vistos separadamente, ok?!? Então, não desista! Convido você a participar dessas reflexões e, se quiser, somar-se ao debate.

Uma das coisas de que mais gosto, hoje em dia, é poder fazer o que eu tiver planejado com calma, sem atropelos, saboreando o momento. Isso vale para acordar preguiçosamente e me deixar estar na cama até decidir levantar, cumprindo com tranquilidade meu ritual matinal. Vale, também, para as tarefas do dia a dia, as refeições, os encontros com amigos, os cursos que estou desejando realizar, a atividade de escrever, os momentos passados com minha mãe, ou meu marido… Enfim, serve para tudo o que, atualmente, compõe a minha vida.

Nesses momentos de prazer relaxado e produtivo, incluo o bate papo antes ou depois da aula de natação, seja com os professores, seja com colegas. Nem sempre as trocas são sobre temas leves e agradáveis, mas são, via de regra, cordiais, respeitosas e mesmo produtivas. E, no final do dia, importa a conversa, o apresentar sua opinião e aprender a ouvir a dos demais.

Numa dessas ocasiões, surgiu o tema da crise da água no estado do Rio de Janeiro. Entre outras coisas, falamos da relação entre o presidente da companhia, Hélio Cabral, e a tragédia em Mariana, na época em que este foi consultor da Vale. Esse presidente, aliás, foi destituído pelo governador Witzel na segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020. Também comentamos a declaração do excelentíssimo senhor governador de que a tal crise só terá solução após a privatização da CEDAE. Em tempo… o presidente da Câmara de deputados, Rodrigo Maia, também expressou sua opinião a respeito. Apenas, para ele, a solução é a concessão pública da companhia para administração pelo setor privado.

Tudo isso foi noticiado em jornais. Não inventei nada. Nem apresento qualquer novidade. Esse cenário já o conhecemos bem e repete-se em diferentes contextos, com distintos atores e acontecimentos. Mas sempre as conclusões parecem convergir.

Dessa conversa derivaram duas reflexões. A primeira, bem ligada ao contexto político. A segunda, de caráter mais amplo, voltada para a humanidade e uma de suas características. Já retomarei este ponto. Antes, contudo, gostaria de deixar uma breve impressão sobre o aspecto político.

Não tenho uma memória tão acurada para acontecimentos históricos e políticos, devo confessar. Ainda assim, tenho a impressão de que, mesmo cheia de problemas “ancestrais” (se me permitem a brincadeira), a CEDAE passou a ser acusada de cada vez mais graves e frequentes falhas a partir da brilhante ideia de privatizá-la. Não quero ser arauto da teoria da conspiração, mas, vamos convir que tanto a mídia, quanto membros do governo fazem um alarde crescente dos problemas ligados ao abastecimento de água e ao saneamento público, sempre assinalando com destaque a ineficiência da CEDAE, os vícios do funcionalismo público etc, etc. É como se a questão não fosse quase tão antiga quanto o Rio de Janeiro. Como se a única solução possível fosse entregar a empresa a quem sabe fazer: o setor privado. Fosse assim, suponho, não teríamos os desastres ambientais da Vale do Rio do Doce, nem as várias dificuldades com a Light e as obras de concessionárias de rodovias seriam ágeis, muito bem feitas e seguras, só para citarmos alguns exemplos. Não digo que nunca se devam cogitar privatizações. Apenas considero que essa não é a resposta definitiva e 100% garantida para o sucesso.

No caso da companhia de águas e esgoto, quando grupos da sociedade se levantaram contra o processo de privatização, a população em geral não fez coro opondo-se. E talvez mesmo tenha apoiado. Mas, suponhamos que agora fosse consultada. Depois de tantos “gêiseres”, lagos e rios de água potável saindo dos canos estourados da CEDAE, após as demoras nos consertos, depois de mais de um mês de água cheirando a terra e dos entusiásticos comentários críticos nos noticiários, será que não aplaudiriam a proposta do senhor governador? Os defeitos e acidentes sem dúvida são reais, frutos de descaso sistemático na manutenção e modernização da rede faz tempo. Não é um problema pontual, nem atual. Só que agora está sendo visto com holofotes e lentes de aumento. Então, conspirações aparte, não seria tudo parte de um projeto de gestão?! Bem… isso é algo para cada um de nós refletir e consultar com seu respectivo travesseiro.

Muito mais interessante para mim, agora, é o segundo tópico, aquele ligado à natureza humana. Pois diz respeito a cada um de nós e ao nosso posicionamento no mundo e na vida. Trata-se da adaptabilidade do ser humano.

Nós somos uma espécie animal que vive no planeta Terra. Não somos os mais rápidos, nem os mais fortes, não possuímos venenos naturais, nem temos presas ou garras enormes. Nossos filhotes demoram a ganhar autonomia e são bastante frágeis na infância.  Então, por que, contra todas as expectativas, podemos nos considerar a espécie mais bem-sucedida do planeta? Aquela que molda seu meio ambiente e domina outras espécies animais e vegetais?

Uma resposta é a nossa inteligência e criatividade. Outra bem relevante, porém, é a nossa capacidade de nos adaptarmos.

Ora… nosso cérebro consegue criar sinapses novas em face a situações não conhecidas previamente, incorporando o que está envolvido nesses casos à nossa bagagem. A aprendizagem, assim, constitui o grande instrumento de nossa adaptação (Se tiverem interesse, leiam a apresentação do trabalho “O cérebro e a capacidade de adaptação do ser humano em https://prezi.com/uzatbrq2zkju/o-cerebro-e-a-capacidade-de-adaptacao-do-ser-humano/ de Eulália Rodrigues e outros.).

Claro que nem todos nos adaptamos na mesma velocidade. Tampouco todos temos igual capacidade adaptativa. Isso varia de pessoa para pessoa, de sua natureza, de suas ocupações e formação. Também as circunstâncias em que se encontra ao longo da vida são um fator importante no processo (A entrevista do Terra a Jorge Forbes, psicanalista da USP, tece alguns comentários bem interessantes a respeito em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/policia/humanos-se-adaptam-a-diferentes-ambientes-diz-psicanalista,d8791054a250b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html ). Seja como for, é maravilhoso pensar que estamos nesse mundo, interagindo entre nós e com os demais seres, criando formas de vida, vencendo desafios, crescendo e sobrevivendo aos obstáculos.

E o que isso tem a ver com o bate papo sobre o problema da água? Esse meu questionamento a respeito de nossa adaptabilidade surgiu a partir de um comentário sobre o gosto de barro da água. A pessoa em questão disse algo como: “eu odiava beber água na minha avó porque tinha gosto de barro”.

Achei graça do comentário! Do cheirinho de terra molhada na hora do banho eu até gosto um pouco. É para mim meio nostálgico, por incrível que pareça. Lembra-me o cheiro que fica no ar logo no início de uma chuva suave sobre jardins, canteiros e vasos de plantas. Um toque de telúrico…

Por outro lado, é claro que estranho o sabor “algo barrento da água”. Acho, no entanto, que, como não há risco à saúde, ele é um pouco como voltar às raízes do ser humano, à água de poço ou àquela guardada em moringas de barro.  Tinham gosto diferente mesmo! Mas nós já estamos muito habituados ao gosto da água clorada, né?! Esquecemos!!! Só que o barro me parece até mais natural do que o cloro… Enfim…

O que quero ressaltar e trazer para nossa reflexão não é exatamente o lado prático de que precisamos, sim, fiscalizar e cobrar melhores serviços. Gostaria que pensássemos se de fato precisamos nos queixar tanto. Se não estamos caindo num comodismo antisséptico e plastificado que nos faz estranhar o que está mais próximo a uma existência mais natural (em oposição a culturalmente modificada). Fico só pensando nos arcônidas degenerados da série alemã de livros “Perry Rhodan”, levados à letargia pelas comodidades exageradas. Ou, também, nos humanos do desenho animado “Wally”, supergordos e bonachões, sem muita iniciativa ou vigor devido tanto à baixa gravidade no espaço quanto à excessiva mecanização. Será que a alta tecnologia do cotidiano está reduzindo a capacidade de adaptação de alguns segmentos da sociedade? Está deixando-nos acomodados e resmungões? Afinal, a necessidade, conforme diz o ditado, é a mãe da inventividade (e esta é peça chave da adaptação, não?!?).

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2 thoughts on “ADAPTABILIDADE

    • Cristina Vergnano

      Não é?!? A criticidade é muito importante, seja para ouvir, concordar e reivindicar; seja para avaliar, rejeitar o dito e até calar…

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