O pescador e a Mãe-d’água
Reconto folclórico
Por: Cristina Vergnano
Essa história aconteceu faz muitos anos, lá para os lados do litoral do nordeste. Existia por ali, naquela época, um pescador que estava vivendo uma terrível maré de azar, não pescava nada. Certa noite, depois de muito tentar, cansado, com o estômago roncando forte e a pele arrepiada do frio, ouviu alguém cantando.
A música foi-se aproximando e, de repente, uma belíssima jovem saiu das águas, apoiando-se num banco de areia. O pescador maravilhado não se conteve e a chamou.
– Ouça aqui, dona moça! O que faz perdida nessas águas? Você é gente ou assombração? Precisa de alguma ajuda?
– Nem gente, nem assombração, seu moço! Sou a Mãe-d’água.
– Mãe-d’água?
– Você tem mais é coragem, visse?! Mesmo achando que eu poderia ser assombração, falou comigo e foi gentil, oferecendo-me ajuda. Por isso, vou conceder-lhe um desejo. O que quer?
Ele, então, lhe disse:
– Pois, veja, só olhar pra tanta belezura e ouvir o seu canto já me deixaria feliz, mas confesso que tenho uma precisão. Faz meses não pesco nada e a fome está e mantando.
– Então, você deseja uma boa pesca. É isso? Pois, lance a rede!
O rapaz seguiu a ordem da moça e logo pescou tanto peixe que quase arrebentou sua velha rede. Antes de ir embora, ela ainda acrescentou:
– Venha aqui toda noite de mudança de lua e continuará com uma pescaria farta.
Então, a cada sete dias, o pescador repetia a empreitada e era bem-sucedido. A Mãe-d’água, porém, não apareceu novamente, deixando-o cheio de melancolia, como se tivesse um vazio no peito.
Uns meses mais tarde, numa noite de lua cheia, o canto voltou e a bela Mãe-d’água surgiu no mesmo banco de areia. O pescador largou o trabalho, atirou-se ao mar e foi encontrá-la. Lá chegando, apressou-se em agradecer os favores e confessar a enorme saudade que sentia.
– O que mais deseja de mim? Gostaria, por acaso, de se casar comigo? – A jovem perguntou.
– Sim, sim! Não consigo tirar você da minha cabeça desde aquela noite, ele respondeu rapidamente sem nem pestanejar.
Ela, então, concordou em ir para a terra e viver com o moço, mas lhe deu um aviso:
– Se quiser que eu continue ao seu lado, precisa prometer jamais renegar a mim ou aos meus parentes do mar.
– Juro pelo mais sagrado! – Ele respondeu.
No início, a vida foi só felicidade. A mulher era tão linda e o rapaz, tão próspero, que toda a vila se admirava. Mas o jovem foi mudando seus modos com o tempo. Ainda gostava da companheira, estava, contudo, seduzido pelas facilidades de viver com alguém que atendia a todos os seus desejos. Nunca estava satisfeito e sempre queria mais.
A Mãe-d’água, por sua vez, passou a sofrer, lamentando o descaso do marido e sentindo saudade da vida livre no mar aberto. Por isso, todos os meses, nas sete noites da lua cheia, ficava à janela cantarolando baixinho, entre lágrimas. Essa atitude irritou o pescador que passou a resmungar e a ficar por longas horas fora de casa. Quando retornava, bem tarde, era sempre rude, exigindo comida e um monte de outras regalias.
Por fim, certa madrugada de lua especialmente brilhante, não aguentou mais os suspiros e gritou:
– Maldição, mulher! Que desgraceira, você e a sua raça de peixes! Com essa mania de choramingar, você me deixa louco. Vão pros diabos todos vocês!
Não precisou mais nada. A Mãe-d’água, ferida com tanta ingratidão, levantou os braços e chamou para si as águas do mar. Ondas enormes vieram a fim de levá-la de volta para casa, carregando consigo todos os presentes que havia dado ao ingrato.
E o pescador? Bem… esse, ao ver a aproximação do mar enraivecido, fugiu para um monte próximo, ao abrigo das águas. Dizem que nunca mais conseguiu pescar nada que prestasse, nem teve companheira tão bela e dedicada.